segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Palavras dos outros que encaixam

Apontamento

A minha alma partiu-se como um vaso vazio.
Caiu pela escada excessivamente abaixo.
Caiu das mãos da criada descuidada.
Caiu, fez-se em mais pedaços do que havia loiça no vaso.
Asneira? Impossível? Sei lá!
Tenho mais sensações do que tinha quando me sentia eu.
Sou um espalhamento de cacos sobre um capacho por sacudir.
Fiz barulho na queda como um vaso que se partia.
Os deuses que há debruçam-se do parapeito da escada.
E fitam os cacos que a criada deles fez de mim.
Não se zanguem com ela.
São tolerantes com ela.
O que era eu um vaso vazio?
Olham os cacos absurdamente conscientes,
Mas conscientes de si mesmos, não conscientes deles.
Olham e sorriem.
Sorriem tolerantes à criada involuntária.
Alastra a grande escadaria atapetada de estrelas.
Um caco brilha, virado do exterior lustroso, entre os astros.
A minha obra? A minha alma principal? A minha vida?
Um caco.
E os deuses olham-o especialmente, pois não sabem por que ficou ali.

Álvaro de Campos

2 comentários:

lapsus disse...

Hoje foi um dia em que me lembrei particularmente de ti. A propósito de uma obra "Um Auto de Gil Vicente"... conheces? :)Numa aula, um dvd a passar tempos bonitos num palácio bonito. A magia, a tua grandiosidade... E eles adoraram(-te)...
E a Ode continua a "perseguir-me".

Bj imenso

Lapsus

Incógnita disse...

Que saudades! Quero ser convidada para a Ode!

Beijos e abraços enormes.