segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

2013




Hoje é dia de reflexão, balanço, decisões, promessas, crenças, superstições.


Acredito nos anos ímpares.


Havemos de vencer!



quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Mulher ao volante de um reboque

Cá está uma coisa que nunca tinha visto e que me surpreendeu.
Sim, é estúpido ter-me surpreendido, mas é verdade, não estava à espera de ver uma mulher com este trabalho. Chamem-me o que quiserem.

Mas atenção! Fiquei agradavelmente surpreendida. Não têm que existir trabalhos para mulheres e trabalhos para homens.

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Feliz Natal

Chove. É dia de Natal

Chove. É dia de Natal.
Lá para o Norte é melhor:
Há a neve que faz mal,
E o frio que ainda é pior.

E toda a gente é contente
Porque é dia de o ficar.
Chove no Natal presente.
Antes isso que nevar.

Pois apesar de ser esse
O Natal da convenção,
Quando o corpo me arrefece
Tenho o frio e Natal não.

Deixo sentir a quem quadra
E o Natal a quem o fez,
Pois se escrevo ainda outra quadra
Fico gelado dos pés.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Poema ao Menino Jesus


VIII - Num Meio-Dia de Fim de Primavera


Num meio-dia de fim de primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.
Tinha fugido do céu.

Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu era tudo falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras.
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
A única pomba feia do mundo
Porque não era do mundo nem era pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.

Não era mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu.
E queriam que ele, que só nascera da mãe,
E nunca tivera pai para amar com respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!

Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o sol
E desceu pelo primeiro raio que apanhou.

Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas pelas estradas
Que vão em ranchos pela estradas
com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.

A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as cousas.
Aponta-me todas as cousas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.

Diz-me muito mal de Deus.
Diz que ele é um velho estúpido e doente,
Sempre a escarrar no chão
E a dizer indecências.
A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia.
E o Espírito Santo coça-se com o bico
E empoleira-se nas cadeiras e suja-as.
Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica.
Diz-me que Deus não percebe nada
Das coisas que criou —
"Se é que ele as criou, do que duvido" —
"Ele diz, por exemplo, que os seres cantam a sua glória,
Mas os seres não cantam nada.
Se cantassem seriam cantores.
Os seres existem e mais nada,
E por isso se chamam seres."
E depois, cansados de dizer mal de Deus,
O Menino Jesus adormece nos meus braços
E eu levo-o ao colo para casa.
.............................................................................
Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural,
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.

E a criança tão humana que é divina
É esta minha quotidiana vida de poeta,
E é porque ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre,
E que o meu mínimo olhar
Me enche de sensação,
E o mais pequeno som, seja do que for,
Parece falar comigo.

A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E a outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é o de saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.

A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direção do meu olhar é o seu dedo apontando.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.

Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos e dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.

Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo um universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.

Depois eu conto-lhe histórias das cousas só dos homens
E ele sorri, porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos-mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade
Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do sol
A variar os montes e os vales,
E a fazer doer nos olhos os muros caiados.

Depois ele adormece e eu deito-o.
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.

Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos.
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate as palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.
......................................................................
Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu ao colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.
.....................................................................
Esta é a história do meu Menino Jesus.
Por que razão que se perceba
Não há de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam?

Alberto Caeiro (in Guardador de Rebanhos)

domingo, 23 de dezembro de 2012

Na minha cama ou na tua?


 

Ontem, à hora da sesta, decidiram que queriam dormir na mesma cama. Normalmente isto dá confusão, portanto avisei que ao mínimo ruído iria lá, daria uma palmada em cada uma e dormiriam nas respetivas camas.

Não ouvi nada.

Estranhei.

Daí a um bocado decidi ir espreitar.


Tinham-se mudado as duas para a outra cama sem fazer o mínimo barulho.

São tramadas estas miúdas.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Nada a acrescentar

Egoísmo -  s. m. Amor exclusivo à pessoa e aos interesses próprios.




Nada a fazer.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Os grandes - Depeche Mode


Amo de paixão!

Acompanham a minha vida desde sempre.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Prendinhas de Natal



Os doces estão feitos e já habitam os frasquinhos maravilha do IKEA.
Os cartões das feijocas com desejos de Feliz Natal já estão impressos e cortados.

Agora é só começar a distribuição!

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

A S. e o teatro




Parece que a coisa está a melhorar... a passos pequeninos, mas a melhorar...

No sábado fomos à aldeia do Natal e, se ao início houve choro e gritos e tremores e súplicas para virmos para casa, depois da primeira volta ao espaço, ela já não queria sair das casinhas dos duendes (claro, desde que isso significasse não ter uma grande interação com essas pessoas estranhas de caras pintadas e vestidas de maneira diferente!!!).

Ontem, foi ao teatro com a escola e parece que de início chorou, berrou, enfim, o filme do costume, mas depois aninhou-se a uma das auxiliares e viu a peça até ao fim.
Nota importante - quando conversámos na viagem de carro para casa, confessou-me que tinha gostado do teatro!


Já vejo luz ao fundo do túnel! A miúda, que é uma teatreira de primeira, há-de gostar de teatro!



P.s. - Hoje, havia um recado de mau comportamento no placard da sala delas. Dizia mais ou menos isto "A S. não pode entrar na Biblioteca, porque rasgou três folhas de um livro. Estamos todos muito tristes." Ai!!!

sábado, 8 de dezembro de 2012

Carroça ao poder!



 Depois de pagar 414€ pelo arranjo do mais pequeno e ter a previsão de cerca de 2000€ pelo arranjo da maior, estou a pensar seriamente em começar a andar de carroça (provavelmente um burro ou um cavalo sai-me mais barato!

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Comunicação

 

Falar faz muito bem... mas os monólogos são do pior que existe!

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Palavras dos outros que encaixam - II

Adeus

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
e eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os meus olhos
eram peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...,
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

Eugénio de Andrade

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Palavras dos outros que encaixam

Apontamento

A minha alma partiu-se como um vaso vazio.
Caiu pela escada excessivamente abaixo.
Caiu das mãos da criada descuidada.
Caiu, fez-se em mais pedaços do que havia loiça no vaso.
Asneira? Impossível? Sei lá!
Tenho mais sensações do que tinha quando me sentia eu.
Sou um espalhamento de cacos sobre um capacho por sacudir.
Fiz barulho na queda como um vaso que se partia.
Os deuses que há debruçam-se do parapeito da escada.
E fitam os cacos que a criada deles fez de mim.
Não se zanguem com ela.
São tolerantes com ela.
O que era eu um vaso vazio?
Olham os cacos absurdamente conscientes,
Mas conscientes de si mesmos, não conscientes deles.
Olham e sorriem.
Sorriem tolerantes à criada involuntária.
Alastra a grande escadaria atapetada de estrelas.
Um caco brilha, virado do exterior lustroso, entre os astros.
A minha obra? A minha alma principal? A minha vida?
Um caco.
E os deuses olham-o especialmente, pois não sabem por que ficou ali.

Álvaro de Campos

domingo, 2 de dezembro de 2012






























Há momentos em que temos perfeita consciência de que o fim é inevitável.




























quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Coisas de gémeos

Isto de "o que uma faz a outra também faz" pode chegar aos extremos e ao ridículo da situação!
Na noite passada, a I. fez chichi na cama por volta da meia-noite e a S. repetiu a proeza às seis da manhã!


Ai!!!

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Quando eu morrer

Quando eu morrer, não quero que existam apenas palavras insípidas ditas por um padre que nunca me viu ou conheceu.
Hei de escrever um texto para ser lido nessa altura, de preferência será lido por alguém que saiba ler um texto com sentido.
Tenho que escrever este texto rapidamente (nunca se sabe o que nos pode acontecer daqui a cinco minutos) e enquanto não morrer acrescentarei ou modificarei aquilo que for achando necessário.

O mote poderá sempre ser este poema

Fim

Quando eu morrer batam em latas,
Rompam aos saltos e aos pinotes,
Façam estalar no ar chicotes,
Chamem palhaços e acrobatas!
Que o meu caixão vá sobre um burro
Ajaezado à andaluza…
A um morto nada se recusa,
Eu quero por força ir de burro.

Mário de Sá Carneiro

domingo, 25 de novembro de 2012

Mais uma vez, falhei...

Era um exemplo de coragem, de querer, de vida, de confiança, de sonho, de força, de convição. Sempre foi em frente, cometeu loucuras por amor e por acreditar na ilusão de ser amada.
Fez felizes muitos dos que estavam à sua volta e ultrapassou o sofrimento que a muitos deitaria por terra. Talvez por isso tivesse tido sempre essa força e vontade de viver de que estes últimos tempos não foram exemplo.
Sensivelmente de há um ano para cá, o chão foi-lhe retirado e viu-se imóvel. De há um ano para cá que tinha vindo a morrer aos poucos. Hoje foi a sentença final.
Há meses que não a via. Quanto mais tempo passava, menos vontade tinha de o fazer, porque cada vez passava mais tempo e eu sentia-me cada vez pior nessa ausência, porque sabia que este dia estava próximo e queria reter a sua melhor imagem, porque ir significaria a total consciência da despedida...
Falhei.
A última vez que a vi, foi no hospital completamente inconsciente, disse-lhe que acreditava, que ela ia sair dali, que era um exemplo de tenacidade para todos nós, mas saí de lá querendo esquecer o que vira. Aquela não era ela, o olhar vago, distante, sem palavras, gemidos de dor.
Falhei.
Hoje foi a sentença final.
Agora terei que ter tempo para lá ir, mas recusar-me-ei a olhá-la. Para mim, não é esta, nunca será esta, será sempre aquela senhora distinta, bem vestida, altiva, alegre, com força e vontade de sugar todo o tutano da vida.
Nunca me esquecerei de si e de todas as loucuras que cometemos juntas.

Até um dia, madrinha!

sábado, 24 de novembro de 2012

Andar à chuva


Lembro-me de ser miúda e depois de um dia de chuva pedir à minha mãe para calçar os botins porque queria ir chapinhar nas poças de água lá da praceta.
Lembro-me de ela me deixar uma vez ou outra.
Lembro-me de estar sozinha naquele largo imenso (na altura parecia imenso) e andar de um lado para o outro e saltar e ficar toda salpicada.
Lembro-me de ver pessoas a passar e a olhar para mim... uns com um sorriso, como se quisessem estar a fazer o mesmo, outros com ar de quem considerava a mãe daquela criança louca por deixá-la fazer aquilo.

Hoje, estava a chover.
As minhas feijocas andavam doidas por calçar os botins e usar o chapéu de chuva.
Decidi sair com elas, aqui mesmo na rua, para podermos estrear os ditos botins e caminhar com o chapéu de chuva aberto.
Deliraram, claro!

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Sensibilidade para as coisas belas da natureza



Depois de ontem termos ficado as três embevecidas a ouvir o chilrear de um passarinho, hoje a minha S. olhou para o céu e exclamou:
- Mãeeeee, olha o céu tão bonito... rosa!

Fiquei babada pela sensibilidade que ela demonstrou!

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Hoje faria 90 anos - José Saramago, o Grande!

As palavras são boas. As palavras são más. As palavras ofendem. As palavras pedem desculpa. As palavras queimam. As palavras acariciam. As palavras são dadas, trocadas, oferecidas, vendidas e inventadas. As palavras estão ausentes. Algumas palavras sugam-nos, não nos largam: são como carraças: vêm nos livros, nos jornais, nos slogans publicitários, nas legendas dos filmes, nas cartas e nos cartazes. As palavras aconselham, sugerem, insinuam, ordenam, impõem, segregam, eliminam. São melífluas ou azedas. O mundo gira sobre palavras lubrificadas com óleo de paciência. Os cérebros estão cheios de palavras que vivem em boa paz com as suas contrárias e inimigas. Por isso as pessoas fazem o contrário do que pensam, julgando pensar o que fazem. Há muitas palavras.
E há os discursos, que são palavras encostadas umas às outras, em equilíbrio instável graças a uma precária sintaxe, até ao prego final do Disse ou Tenho dito. Com discursos se comemora, se inaugura, se abrem e fecham sessões, se lançam cortinas de fumo ou dispõem bambinelas de veludo. São brindes, orações, palestras e conferências. Pelos discursos se transmitem louvores, agradecimentos, programas e fantasias. E depois as palavras dos discursos aparecem deitadas em papéis, são pintadas de tinta de impressão - e por essa via entram na imortalidade do Verbo. Ao lado de Sócrates, o presidente da junta afixa o discurso que abriu a torneira do marco fontanário. E as palavras escorrem tão fluidas como o «precioso líquido». Escorrem interminavelmente, alagam o chão, sobem aos joelhos, chegam à cintura, aos ombros, ao pescoço. É o dilúvio universal, um coro desafinado que jorra de milhões de bocas. A terra segue o seu caminho envolta num clamor de loucos, aos gritos, aos uivos, envolta também num murmúrio manso, represo e conciliador. Há de tudo no orfeão: tenores e tenorinos, baixos cantantes, sopranos de dó de peito fácil, barítonos enchumaçados, contraltos de voz-surpresa. Nos intervalos, ouve-se o ponto. E tudo isto atordoa as estrelas e perturba as comunicações, como as tempestades solares.
Porque as palavras deixaram de comunicar. Cada palavra é dita para que não se oiça outra palavra. A palavra, mesmo quando não afirma, afirma-se. A palavra não responde nem pergunta: amassa. A palavra é erva fresca e verde que cobre os dentes do pântano. A palavra é poeira nos olhos e olhos furados. A palavra não mostra. A palavra disfarça.
Daí que seja urgente mondar as palavras para que a sementeira se mude em seara. Daí que as palavras sejam instrumento de morte – ou de salvação. Daí que a palavra só valha o que valer o silêncio do acto.
Há também o silêncio. O silêncio, por definição, é o que não se ouve. O silêncio escuta, examina, observa, pesa e analisa. O silêncio é fecundo. O silêncio é a terra negra e fértil, o húmus do ser, a melodia calada sob a luz solar. Caem sobre ele as palavras. Todas as palavras. As palavras boas e as más. O trigo e o joio. Mas só o trigo dá pão.

José Saramago, Crónica publicada no livro Deste Mundo e do Outro

Homenagem ao Mestre

Hoje, o meu Mestre recebeu uma homenagem. Fui vê-lo porque o admiro, porque ele foi/é o meu Mestre.


Às vezes parece que continuo a ser um "cachorrinho" sedento da sua festa.


Sinto-me sempre invisível.


Falta-me/Faltou-me, sempre, "um golpe de asa"*.







* Mário de Sá Carneiro, "Quase"

domingo, 11 de novembro de 2012

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Está aberta a época das doenças

A doença instalou-se por aqui, já estávamos com saudades disto, não é? Já durava há muito tempo o estado saudável por estas bandas, certo? Portanto, cá estamos.

Primeiro começou com uma amigdalite na S. que evoluiu para uma estomatite aftosa na I (diagnosticada ontem) e até eu estou, com toda a certeza, com amigdalite.

Problemas - a I. recusa-se a comer seja o que for, demoramos horas para que ela beba o líquido mais simples e tome os medicamentos, o que a pode levar a ficar desidratada e portanto ter que ser internada no hospital.

Têm sido dias de luta, sofrimento, dor e lágrimas.

Ontem a I. dizia-me "Já não sou tua amiga!", tudo porque depois de uma hora a tentar que ela tomasse o medicamento tive que a agarrar e forçá-la a fazê-lo (a própria pediatra me aconselhou a agir desta maneira).

Ai!


Sim, a febre continua a ter aquele efeito avassalador em mim, logo, ando aqui com dores, calafrios, mal me consigo ter de pé, mas para a frente é que é caminho e as mulheres vão sempre buscar forças onde elas não existem. Claro, quando estamos sozinhas desabamos, mas também é nesses momentos que ouvimos palavras amigas que nos confortam o coração. Obrigada S.R.A. e C.C. pelas palavras de ontem.

sábado, 3 de novembro de 2012

Já me tinha esquecido

Há quanto tempo é que elas não tinham febre nem nada do género? Já me tinha esquecido de como era.
A febre voltou a bater à porta cá de casa. A minha S. desde 6ªfeira que tem febre. Ontem foi uma febre contínua, mas hoje teve de manhã e agora à noite.
Não sei porquê, mas cheira-me a amigdalite.
Amanhã, lá terei que ir ao hospital!

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Dia das Bruxas

A esta hora estaríamos a caminho de Lisboa, depois de um jantar de quinhentos escudos na tasca aqui do sítio, já regados com vinho branco da casa.
Chegados a Lisboa, encontraríamos o quarto elemento dos Cavaleiros do Apocalipse que se riria pelo facto das meninas estarem com uma maquilhagem especial e com uma vassoura minúscula da autoria do pai da L.
A ronda começaria no Gingão com uma ou duas Ginjas, passaríamos pelo Cena de Copos onde atestaríamos um ou dois B'52 e iríamos de seguida ao Keops enfrascar um Afrodisíaco Alentejano ou um TGV, isto sem deixar de passar pela tasca em frente ao Frágil para beber um Pontapé na C_n_.
Finalmente, o destino seria a Rua Poiares de São Bento.
Pararíamos no passeio em cima do número 69, abraçar-nos-íamos e simularíamos uma espécie de orgasmo coletivo e depois era descer até ao Incógnito, onde o Rai já estaria à espera da nossa loucura. Seguir-se-iam as Batidas de Coco, as Vodkas ou Mezcal ou Absinto, o que fosse, músicas pedidas, risos e muita alegria.
(A esponja do nosso estômago aguentava tudo sem fraquejar.)
No final, ou melhor, no início da manhã, esperar-nos-ia aquela tremenda subida até ao Rossio para apanhar o primeiro comboio e rezar para que quando metesse a chave na fechadura da porta de casa, o meu pai não tivesse colocado o alarme, ou, se ele o tivesse feito, desempenhar o papel de ladrão XPTO que tendo uma chave do alarme consigo, conseguia através de um espaço minúsculo colocar a chave na ranhura e dar a volta sem que o apito soasse.


Que saudades...



terça-feira, 30 de outubro de 2012

Odeio




Avestruzes.

...

Quando os vazios se preenchem com nada, a nuvem negra já nem consegue trovejar.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

A boa da pipoca






Quando era menina, comia a "pipoca do pézinho (é uma velha história que não vou contar hoje, talvez nunca conte!...)...

Hoje, é a boa da pipoca que me mantém acordada para corrigir testes. Faço uma tigela imensa e assim que elas acabam é ver a canetinha vermelha a deslizar e eu a adormecer!

Oh vida desgraçada!

É lógico que nem me atrevo a pesar antes da época dos testes e depois da época dos testes. Qualquer dia estou ainda mais lontra.

domingo, 21 de outubro de 2012

Sushi

Pela segunda vez na vida fui comer sushi no Samurai - Parque das Nações.

Estou rendida!

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

A inveja

é mesmo uma coisa horrível.



Podem parar, por favor?

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Fim anunciado

Dentro em breve, não passarei de um mito. Fechar esta porta, inevitavelmente, far-me-á fechar a minha porta.





Fico tão triste...





Não queria ser apenas um nome que flutua no meio, um mito que já foi. Queria existir ainda.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Consulta dos 3 anos

Relatório:
I. - peso - 15,5kg; altura - 1 metro; percentis 90.
S. - peso - 15kg; altura - 96 cm; percentis 65.

Notas:
A I. deveria ter uma consulta de terapia da fala, a fim de despistar alguns erros recorrentes que comete.
A S. deveria ter uma consulta de psicologia, já que a sua impulsividade/irritabilidade deve ser regulada, mesmo por que pode ser um reflexo de baixa autoestima.

Observações de mãe:
Quanto aos percentis, nada a declarar, faz-se o que se pode.
No que concerne às consultas de especialidade, não me surpreendem. Há uns tempos que ando a dizer que a I. devia ter terapia da fala, pois a inexistência fonética do [k] e a substituição (por vezes quase impercetível) do [g] pelo [d] sempre me preocuparam. No que diz respeito à S., também sempre considerei que os níveis de concentração são baixos e que a frustração face à dificuldade de realizar a tarefa (ou mesmo a incapacidade de realização) bem como as birras de irritabilidade sucessivas, que lhe causam uma baixa autoestima, são prognóstico futuro de uma das novas "doenças-em-voga". Naturalmente, este é/deve ser uma dos problemas típicos dos gémeos - a competição e a frustração por ver o outro conseguir fazer algo e ser elogiado por isso, têm impactos que podem ser devastadores.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Hoje

Quando éramos pequenos, o nosso dia de aniversário era especial. Andávamos 364 dias à espera daquele dia e quando ele chegava, a alegria contagiava-nos, fazíamos coisas diferentes, vestíamos uma roupinha nova, ninguém nos podia chatear, enfim, era como se naquele dia fossemos obrigados a ser felizes.
Com o tempo desobrigamo-nos a ser felizes neste dia e os 365 dias passam a ser iguais. Sim, os 365 dias, porque também as outras datas em que obrigatoriamente estaríamos felizes, acabam por ter o mesmo destino que o dia do nosso aniversário.
Hoje, relembro, essencialmente, aquele período, supostamente, inocente em que nos juntávamos lá em casa e fazíamos do quarto uma discoteca com slows incluídos. Lembro-me de o pôr debaixo do braço e dançar muito agarradinha a ele. Era o meu primeiro amor e este dia marcava sempre o recomeço ou a consumação do nosso namoro. Depois existiam os bolos, as sandes, os sumos, o champanhe aberto por nós, mas bebido apenas pelos adultos.
Esse tempo ficou lá atrás.
Agora obrigamo-nos a ter um jantar fora ou melhor, mas mais pelos outros do que por nós e somente para que o dia não seja mesmo igual a todos os outros. Se antes queríamos ter mais um ano e alegravamo-nos por isso, hoje irrita-nos o facto de termos mais um.

Afinal, esta fase adulta-pré-velhice incomoda.









Aniversário
Fernando Pessoa
(Álvaro de Campos)


No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho...)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!

O que eu sou hoje é como a humidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas
lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!

Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais       copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas o resto na sombra debaixo do alçado —,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...

Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...


15/10/1929

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Desculpem

Sinto que estou fora de mim, não consigo controlar a voz, não tenho paciência e vocês são apenas crianças, talvez bebés ainda.

Nunca duvidem que vos amo.

Perdoem-me.

Às vezes acho que não vos mereço.

Estarei louca?

Colocar os telemóveis dentro do frigorífico e depois andar meia hora à procura deles é sinal de loucura, não?

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Bati

Ainda não tinha acontecido com ela, com ele, o I., já tinha acontecido, há alguns anos, algumas vezes, mas com ela nunca...

Hoje, inexplicavelmente, bati com a U. Repito, inexplicavelmente.

O outro carro estava estacionado e eu queria estacionar, não sei como fiz (virei demasiado o volante, está visto), de repente só ouço o barulho do carro a bater/roçar no outro que estava tão sossegado e sem fazer mal a ninguém.

Como sei escolher muito bem, o feliz contemplado foi nada mais nada menos que uma carrinha mercedes. Não podia fazer por menos. Agora toca a pagar um pára-choques e um guarda-lamas.

A U. não ficou mal, aliás pouco se nota a batida. É uma mulher forte. Por algum motivo lhe atribuí este nome.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

A educadora

Acredito q.b. nas primeiras impressões e para já acho a educadora das feijocas muito nervosa, tensa, insegura e reativa. Também sei que este início de ano com crianças tão pequenas e com falta de pessoal está na base destas primeiras impressões.


Hoje foi o primeiro dia em que consegui ir levá-las às 9h e por isso foram diretamente para a sala com a educadora, sem passar na "casa-da-partida" - CAF. Não volto a fazer isto nos próximos tempos. Foi horrível. Não consegui fazer o nosso ritual - beijinho, abracinho, adeus à porta -, a educadora parecia louca a colocar-se em frente à porta com as pernas e braços abertos para impedir a saída dos meninos que gritavam e choravam a plenos pulmões, e eu fiquei a vê-las através do vidro a chorarem por não termos feito o que é costume, ouvindo, claramente, a S. a gritar "beijinho"! Foi a primeira vez em 3 anos que elas ficaram a chorar e não quero repetir a dose.