quarta-feira, 18 de julho de 2012

Da correção dos exames nacionais


Muito se fala, e se tem falado, sobre a realização dos exames nacionais. Alunos que, passadas aquelas duas horas e meia,  saem a chorar, porque a prova era muito difícil, outros que saem contentes, porque afinal era fácil, etc, etc, etc. Ninguém fala dos professores classificadores dos exames, ou melhor, de como todo este processo se desenrola e das injustiças existentes.
            Não, não vou tecer comentários aos critérios de correção e à subjetividade a eles inerente (tome-se o caso de Português – 639, em que os cenários de resposta do grupo I iniciam da seguinte forma, e passo a citar, “A resposta pode contemplar os tópicos que a seguir se enunciam, ou outros considerados relevantes”. O que é relevante para mim... mas esta questão daria outro texto. “Não vou por aí”[1].), interessa-me expor o caso gritante dos professores classificadores de exames nacionais.
            No ano letivo de 2010/2011, o GAVE e o Ministério da Educação decidiram formar professores classificadores de exame e, para isso, alguns representantes de todas as disciplinas tiveram dois dias de formação por esse país fora, onde, de uma forma geral, refletiram sobre a tipologia das questões e analisaram respostas de alunos de exames do(s) ano(s) anterior(es), fazendo propostas de classificação através dos respetivos critérios de correção. Esta formação compreendia também a realização de um relatório final após a correção dos exames nacionais do referido ano. Houve quem não tivesse entregue este relatório e quem assim procedeu, aparentemente, foi excluído da “Bolsa de Classificadores de Exames Nacionais”. Também durante este ano letivo, os mesmos professores, qual elite magnífica, voltou a ter formação, desta vez online, durante uma semana e meia, com tarefas diárias, como perante uma situação imaginária fazer uma tomada de posição, ler textos específicos e fazer uma reflexão sobre os mesmos, fazer sínteses de determinados parágrafos, sobretudo sobre pedagogia do ensino (onde está a pedagogia na correção dos exames nacionais, se estes são um produto e não um processo?) e posteriormente análise e proposta de classificação de respostas de exames nacionais de anos anteriores. Quem não entregou relatório no ano transato, não fez esta formação deste ano, é bom salientar! (Pelos vistos quem “chumba” não precisa de repetir, está automaticamente eliminado, o que para alguns não deixará de ser um alívio e para outros a recompensa da incompetência!). O objetivo desta formação é uniformizar o tipo de correção e especializar os professores classificadores nesta tarefa? Desde quando esta formação diminui a subjetividade da correção quando falamos de itens de construção (as antigas respostas abertas)?
            Após estes preâmbulos chegamos ao cerne da questão. Formaram-se professores, não todos os do país, seria muito dispendioso, massacraram-se alguns dos professores deste país com uma formação durante uma semana e meia numa altura em que as escolas estão ao rubro com trabalho e, claro, como estes são os “professores de elite” também a correção dos exames recai (quase) exclusivamente nestes. Se o princípio de formar professores classificadores de exames está correto, com toda a certeza que sim, mas o mais justo seria que todos os professores fossem formados para tal tarefa, porque o que se passa neste momento é que muitos dos professores que estiveram a lecionar o ano de exame não estão a corrigir a dita prova e os outros, os da bolsa, levam com cerca de sessenta provas para corrigir em tempo record, quando o seu colega do lado está liberado desta função. Pior, e mais uma vez tomando o caso do exame de Português – 639, um professor recebe cinquenta e seis provas numa quarta-feira e tem que fazer uma primeira correção das quatro perguntas de interpretação e do texto B do grupo I até sexta-feira às dezoito horas, a fim de colocar as dúvidas suscitadas pela correção. Cinquenta e seis provas! O professor tem que ser libertado de todo e qualquer serviço de escola – é a resposta do GAVE. E se tiver conselhos de turma de avaliação dos outros níveis de ensino que não têm exame? E se for diretor de uma dessas turmas e a sua reunião estiver marcada para um desses dias? E se pertencer ao secretariado de exames? Não faz nada disso? Limita-se a dizer à direção “Meus queridos, agora tenho que corrigir os exames, portanto, esqueçam-me”? E o professor não tem que dormir? Parece-me impossível cumprir estes prazos. É que a vida profissional continua para além dos exames, a escola não para, nem pode parar (já nem falo da vida pessoal do professor, essa está relegada para terceiro plano durante todo o ano letivo!). Não seria preferível escalonar mais professores para a correção de exames (mesmo os que não pertencem à Bolsa de Classificadores) e atribuir a cada um um número inferior de provas? Não seria mais justo? Não seria menos penalizador e massacrante para aqueles que são sempre os mesmos? Não existiria mais qualidade, sim, qualidade, porque com menos exames para corrigir a concentração e disponibilidade é outra? Todo este cenário existe apenas no ensino secundário. Para os exames do ensino básico não foram formados professores, por isso (quase) todos são chamados, o que permite que cada um deles receba cerca de trinta e cinco provas para corrigir. Interessante, os professores do básico não precisam de formação... que mensagem é esta que o GAVE e o Ministério da Educação estão a transmitir?
            Não, não pertenço à tão aclamada Bolsa de Classificadores e, por isso, não fui chamada para corrigir exames. Não, os professores pertencentes a esta Bolsa nem por isso corrigem melhor os exames do que os outros (vi classificações incongruentes/incorretas nos exames que me apresentaram para pedir recurso). Não, não estou minimamente feliz por ter menos trabalho para fazer. Pelo contrário, estou revoltada por não ter sido chamada. Queria ter sido chamada. Considero que qualquer professor que leciona anos de exame, aliás todos os níveis de ensino, deve ser chamado a corrigir provas, pois só desta forma podemos melhorar todo o percurso de um ano letivo que, supostamente, serve para que o aluno possa desenvolver competências, adquirir conteúdos e atingir objetivos de modo a alcançar o sucesso nos exames nacionais.
            “É a Hora!”[2] de pensar, efetivamente, na qualidade do ensino. “É a Hora!” de confiar e valorizar o trabalho docente. “Falta cumprir-se [a educação em] Portugal!”[3]


[1] in “Cântico Negro”, José Régio
[2] in Mensagem, Fernando Pessoa
[3] in Mensagem, Fernando Pessoa

2 comentários:

Anónimo disse...

De certo que todas as suas afirmações estão correctas, no entanto eu considero mais frustante um aluno perder um sonho idealizado em duas horas e meia do que um professor sentir-se discriminado por não pertencer á "bolsa de correctores" dos exames nacionais. Acordem, o importante aqui são os alunos ou o dinheiro que os professores recebem a mais só para corrigirem exames.

Incógnita disse...

Caro/a anónimo/a,
devo esclarecer um dos pontos que foca, os professores não recebem "dinheiro [] a mais" para corrigirem os exames nacionais, este serviço não é pago (antigamente era, neste momento isso já não acontece, e não é um absurdo se pensarmos que é um trabalho adicional só para alguns docentes). Relativamente à questão que coloca acerca dos alunos, tem toda a razão, mas este texto não versava sobre isso. Efetivamente, não é no espaço de duas horas e meia que se confirmam os saberes e competências dos alunos, isso daria outro texto, que um dia escreverei, aliás eu sou contra os exames nacionais exatamente por isso, se a avaliação é contínua, se queremos o desenvolvimento em espiral do aluno, então ele não pode ser avaliado em duas horas e meia, quando está sob um stress imenso. Para além disso, há a questão da inevitável subjetividade na correção de perguntas abertas (tal como enunciei no início deste meu texto). Por muito que se definam os critérios de correção, a verdade é que milhares de professores estão a corrigir os exames e o grau de subjetividade é imenso.
Obrigada pelo comentário.