sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

D. Júlia

Acabei de receber a notícia.
Sabia que estava doente. Após a operação ao coração, nunca mais se restabeleceu como noutros tempos.
Relembro as noites que passámos nos degraus à soleira da porta naquela terra que considero a minha de nascença e as conversas que tinhamos sobre o passado.
Só a D. Júlia me falava da minha avó paterna Antónia, que nunca conheci, mas que sempre considerei ter sido uma grande mulher. A única fotografia que resta da minha avó, foi a D. Júlia quem amavelmente me deu. Ela está a pousar para a câmara com um livro na mão e um ar sereno, apesar do rosto marcado pela dor e sofrimento de uma vida madrasta.
Só a D. júlia me dizia que eu era parecida com a minha avó Antónia. Só ela me fazia imaginar a vida e pessoa que me foi roubada desde sempre e por todos. Ninguém me falava dela, só a D. Júlia que me dizia «Tu és a cara da tua avó, a Bicha, como lhe chamávamos». Na minha terra-de-coração atribuem-se alcunhas a todas as pessoas, o meu avô era o "Zangado" (já vi fotografias dele e, de facto, tem cara de zangado) e a minha avó era a "Bicha", alcunha que vinha da sua família, desconheço o motivo.
Só a D. Júlia me fazia pensar que naquela terra eu ainda tinha família presentificada na sua pessoa, embora ela fosse, na realidade, "apenas" a minha vizinha do lado.
Este ano, quando lá for, já não terei a minha vizinha para me sentar nos degraus à soleira da porta, já não poderei relembrar-viver a minha avó que nunca conheci, já a minha terra-de-coração não terá o mesmo sentido, porque a D. Júlia não estará lá para sorrir para mim e me dizer «Lá vem a bicha! Tu és a cara da tua avó!»


Sei que sabe que eu sempre a estimei muito, que para mim era como se fosse da família, era através de si que eu via-sentia-imaginava a minha avó Antónia.
Descanse em paz!

2 comentários:

A Minha Essência disse...

Beijinhos nesse coração inquieto :)

lapsus disse...

Sabes, de alguma forma tive uma "D. Júlia" assim, num ano em que dei aulas em Faro. tenho falado muito dela aqui e não há vez nenhuma que faça uma determinada refeição que não me lembre dela. Chama-se D. Maria de Jesus. Um ser humano muito bonito. Fica a memória.
Um beijo enorme, miúda.