sábado, 30 de maio de 2009

O tempo da espera

Pediram-me um texto sobre o tempo da espera de uma futura mãe.
Foi isto que saiu.

… e passados cinco minutos surgem dois tracinhos encarnados naquele aparelho branco imaculado. A respiração fica suspensa. O coração pára. Em breves segundos, saltamos nove meses e vemo-nos com um ser ao colo que é nosso e que de nós depende (pelo menos por enquanto). Estes são os primeiros minutos de consciência (?) de um futuro mundo novo.

A espera durará nove meses. Segundo o Dicionário de Símbolos de Jean Chevalier e Alain Gheerbrant «Nove parece ser a medida das gestações, das buscas frutíferas e simboliza o coroamento dos esforços, o concluir de uma criação. (…) é o número da plenitude. (…) Segundo René Allendy, o número nove aparece como sendo o número completo da análise total. É o símbolo da multiplicidade voltando à unidade e, por extensão, o da solidariedade cósmica e da redenção. (…) Sendo o três o número inovador, o seu quadrado representa a universalidade. (…) O nove, sendo o último da série dos algarismos, anuncia ao mesmo tempo um fim e um recomeço, isto é, uma transposição para um novo plano.».

A espera durará nove meses. Este será o tempo dos medos, das dúvidas, das descobertas, das mudanças, da habituação, das surpresas, da imaginação, do sonho, da consciência… de um turbilhão de emoções.

Nos três primeiros meses são os medos e as dúvidas que imperam. O coração bate a um ritmo descompassadamente acelerado e cada dia é vivido como se de repente tudo pudesse vir a ser apenas uma ilusão. É um tempo de recomendações e cumprimento dessas recomendações na ânsia de que as fatídicas doze semanas cheguem ao fim com um sorriso nos lábios.

O segundo trimestre é a confirmação de que o sonho tem francas probabilidades de se concretizar… mas o medo não desaparece, apenas é atenuado. As “fotografias” sucedem-se e a imaginação vai criando pontes com uma realidade sabida, ainda não sentida. É o tempo do início da preparação dos ambientes, das mudanças por vezes repentinas do nosso corpo, que nos levam a crer, cada vez mais, nesse ser em projecto que cresce dentro de nós. É neste tempo que acontece uma das esperas causadoras de maior ansiedade. Há que sentir os primeiros movimentos, mas onde estão eles que nunca mais chegam? É a meio deste pequeno percurso que se dá essa descoberta. A princípio quase imperceptíveis, mas ganhando cada vez mais força e até, quem sabe, personalidade, o pequeno ser envia mensagens de vida à mãe. São gritos surdos que confirmam a sua presença, por isso a violência dos nomes que lhes são atribuídos «Hoje senti o meu bebé a dar-me murros e pontapés!». Que realidade cruel! A primeira comunicação estabelecida entre mãe e filho é manifestada e verbalizada por «murros» e «pontapés»…

Último trimestre de espera – cada vez se torna mais difícil. Os medos retomam o seu posto. O parto pré-termo é o fantasma que paira no ar durante este tempo. Há que controlar a ansiedade e os receios. A espera está a chegar ao fim, mas custa tanto! Se nos dois primeiros meses deste último trajecto o desejo era que tudo ficasse como estava, que a comunicação continuasse interna e só nossa, neste acto egoísta de querer a pertença total deste filho-sonho que se avizinha, no último mês de espera tudo se descontrola e subitamente o objectivo é que o acontecimento se dê o mais depressa possível, o desejo é ver e tocar na realidade esse ser que durante esses nove meses cresceu dentro de nós, é a ansiedade pela total consciência deste projecto que se quer.

A espera durou nove meses. As malas estão à porta há alguns dias. O quarto está arranjado. As roupas estão arrumadas. As leituras de pedagogia infantil estão feitas, ou talvez não, afinal parecia que ainda tínhamos tanto tempo… O coração já disparou. Entrar no carro quase em piloto automático. Quatro-piscas ligados. Desta vez o “pequeno” excesso de velocidade é justificado.

A espera acabou. A concretização do sonho vai ser agora. Todos os sentidos estão alerta desejosos do outro eu que sai do nós para ter uma vida própria. «É a Hora![i]»


[i] In Mensagem, “Nevoeiro” Fernando Pessoa

1 comentário:

A Minha Essência disse...

Amiga, simplesmente adorei o que li. Sei que foi dai do fundo do teu coraçãozinho inquieto.

Um beijão muito grande, desta tua amiga que vos adora.

PS: A última parte do texto foi a melhor! O visualizar do que vai ser daqui a uns poucos meses....