terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Obesidade


Hoje, finalmente, falei com o meu aluno que é obeso (eu sei que esta palavra dói, oh se sei, foi esta palavra que me fez fazer uma dieta aos 16 anos, quando a minha querida médica de família me disse "Você está obesa!", mas as realidades são para se dizer, e ele é obeso, ele não se consegue baixar para abotoar os atacadores dos ténis). Fomos almoçar juntos exactamente para conversar.
Não estive com paninhos quentes (não, não lhe disse que ele era obeso, disse "apenas" que ele tinha um problema com o seu peso), mas não me parece que tenha sido rude. Disse-lhe que, talvez melhor que ninguém, sabia o que ele estava a sentir, sabia o que era ter peso a mais e como é difícil a tarefa de emagrecer, como todas aquelas coisas de que gostamos, e que nos fazem mal, chamam por nós, como não podemos ter doces em casa, porque a febre de os comer supera toda a força de vontade e como é angustiante querer comprar uma peça de roupa e nada nos servir. Disse-lhe que já tive vinte quilos a mais, por mais de uma vez, e dos sacrifícios que temos que fazer, mas também das formas saborosas como o podemos fazer e que custam menos. Senti que neste momento ele está na fase de culpabilizar o mundo pela sua gordura, ou porque não tem tempo de fazer refeições mais espaçadas, ou porque a comida na escola não é a melhor (aqui com alguma razão, são demasiadas as vezes em que há fritos ao almoço), ou porque não gosta de legumes nem de saladas nem de peixe, ou..., ou..., ou... A tarefa dele é mais difícil, é, sem dúvida. Ele não faz a sua comida (tem apenas 12/13 anos), o seu agregado familiar é obeso e não se preocupa com isso - "O meu pai gosta de chocolates e compra... Já estão quase a acabar.".
Hoje, lembrei-me de muita coisa, principalmente da questão da roupa. Houve uma época em que eu (quase) não tinha roupa comprada. O meu guarda-fato estava cheio de roupa feita pela minha mãe, ela é que me salvava. Eu via a roupa nas lojas ou inventava e a desgraçada lá se punha na máquina de costura a fazer-me as coisas. Eu não tinha calças de ganga. Todas as minhas amigas usavam calças de ganga e eu não conseguia comprar umas para mim. Não havia o meu número (pelo menos nos modelos que eu gostava), até que houve uma moda de calças de ganga com uma barra lateral. Foi a minha salvação. A minha mãe lá transformou umas calças de ganga antigas colocando uma larga barra lateral com tecido de cortinado (daquele mesmo rijo às flores). Passaram as ser as minhas calças favoritas. Depressa a moda passou. Depressa fiquei sem calças de ganga. (Talvez por isso, hoje, as calças de ganga sejam a minha farda diária. Talvez.)
Não sei se a conversa resultou. Gostava que sim, mas acho que não. É duro ouvir. É duro tomar uma decisão. É duro ter a força suficiente para avançar, quando os resultados são mínimos e o entusiasmo desaparece num sopro. Gostava de lhe proporcionar o milagre que ele deseja, mas ele não existe. É dentro de nós que o milagre se dá e senti que ainda falta tempo para que o milagre se dê nele. Até lá, aquela família não vai ajudar, a sua mobilidade é cada dia menor e a frustração maior.




Infelizmente, sei que quem é gordo uma vez, é gordo sempre, porque por mais que possamos emagrecer, a nossa cabeça será sempre a cabeça de um gordo. Somos um pouco como os alcoólicos anónimos - um dia de cada vez - "hoje resisti ao bolo, ao chocolate, ao salgado...", contudo, no dia seguinte "tive que comer, ontem consegui não o fazer, mas hoje tinha que ser...".

2 comentários:

lapsus disse...

Curioso... No outro dia, quando te vi, disse-te "Estás tão magra, estás linda". Quase me arrependi pois parecia que te estava a chamar "gorda" nos outros dias. Mas não era isso, como tu sabes. Estás, realmente, linda. E vi um sorriso que transportas contigo, meigo, um sorriso que tem sido sempre um abraço, ao mesmo tempo, de tão bonito que é, grande. Um sorriso, no fundo, obeso. Um sorriso-chocolate, acompanhado de um abraço-também-obeso. Hoje apetece-me dizer-te isto. Estás bonita. E sempre com calças de ganga, ainda que não sejam a do "cinto" com flores.
(ai que medo... está quase, a despedida... ai que medo!)
Bjcs, miúda e até já :)

Lapsus

Incógnita disse...

És lindo.
(Está quase, quase, e o friozinho no estômago já se começa a fazer sentir)